terça-feira, 23 de agosto de 2011

MAGIA FORTE


César freqüentava aquela casa de umbanda havia dois anos: um ano enquanto assistência e outro como cambone de Pai Josias. Era um jovem que amava tanto a religião que professava que, nos últimos três meses, resolveu participar das reuniões de desobsessões daquela casa de caridade.


Naquela gira, entretanto, César demonstrava um semblante preocupado e pesaroso.


Percebendo as emoções de seu pupilo Pai Josias chamou-o a sentar-se diante de si.


─ Como é que vai suncê meu fio?


─ Eu até que estou bem vovô, graças a Deus!


─ Então por que este "até" zifio? Tem algo preocupando suncê?


César ficou desconcertado, como se estivesse procurando as palavras certas a serem ditas, mas a entidade reforçou o pedido dizendo:


─ Pode falar sem acanhamento nenhum zifio, pois qualquer dúvida no coração não é sinal de vergonha, mas desejo de saber melhor as coisas e o conhecimento é algo muito lindo meu fio, pode fazer perguntador pra nêgo!


César sorriu com aquele jeito tão curioso e perspicaz que só os preto-velhos têm de dizer as coisas e falou:


─ O senhor acha que estou bem vovô?


─ Depende meu fio, o que é estar bem para você?


César sorriu enquanto seu olhar marejava e foi quando a entidade disse-lhe:


─ O que é que tá trazendo tanta preocupação a suncê meu fio? Pode contar porque nêgo só vai escutar sem julgar!


─ O senhor me desculpe vovô, mas acho que estou necessitando de uma magia forte de proteção.


─ Mas por que zifio, o que é que tá acontecendo com suncê?


─ Como o senhor sabe faz três meses que comecei a participar dos trabalhos de desobsessão desta casa.


─ Isto, nêgo se alembra meu fio.


─ Então, acho que o senhor vê que eu procuro fazer este trabalho com todo o meu coração.


─ Nêgo não tem dúvidas disso meu fio!


─ Pois bem, mas desde quando eu entrei nestes trabalhos a cada mês que passou após um membro de minha família adoeceu seriamente: há três meses foi minha esposa, mês retrasado foi minha filha e este mês foi minha mãe que está passando um tempo conosco.


─ Nêgo tá entendendo zifio.


─ Como eu tenho vindo ao terreiro penso que deva ser mais difícil para as forças do baixo-astral atingir a mim tentando impedir-me de vir às reuniões de desobsessão, assim, acho que as trevas estão tentando atingir-me por meio de minha família.


─ E suncê acha que o terreiro não está fornecendo a devida proteção que suncê e família carecem pra viver sem estes ataques e fazerem o bem com menos preocupação, e justamente por isto estava todo envergonhado de vir conversar com este nêgo, não é?


César cambonava aquela entidade já há certo tempo, mas a forma como ela demonstrava conhecimento e compreensão acerca do seu atual estado mental sem que ele precisasse verbalizar muita coisa deixou-o boquiaberto.


─ Suncê não precisa se sentir envergonhado, pois como nêgo disse antes a busca do conhecimento no bem traz é luz para o espírito.


─ O senhor está certo vovô!


─ Zifio, eu entendo sua preocupação, mas antes de passar uma magia forte suncê permite nêgo contar uma história?


─ Claro vovô, suas histórias são sempre ótimas, fique a vontade!


─ Zifio, certa vez acabou a comida no esgoto e uma ratazana se viu obrigada a sair de sua morada para habitar noutro canto. Saindo de sua morada o animal observou que poderia entrar em duas casas: uma era asseada, limpa e organizada; a outra era uma imundice só, pois a não era varrida há meses, os móveis estavam cobertos de pó e havia inúmeros entulhos espalhado pelo chão, suncê tá entendendo zifio?


─ Estou sim senhor!


─ Então nêgo pergunta: se suncê fosse esta ratazana em qual destas moradas escolheria habitar?


─ Com certeza que seria a casa suja!


─ Por que zifio?


─ Por que se parece mais com o antigo habitat da ratazana.


─ Muito bem zifio, afinal na casa limpa não há nada que desperte afinidade na ratazana, não é isso?


─ Isso vovô, é isso mesmo, é tudo questão de afinidade!


─ Muito bem meu fio! Nêgo gostou desta sua ultima percepção.


─ Zifio, nêgo pode fazer mais uma pergunta?


─ Claro vovô, não precisa nem pedir!


─ Fio, tem muito tempo que suncê não defuma sua casa?


─ Tem sim vovô, por volta de dez meses.


─ Mas suncê não é umbandista?


─ Graças a Deus!


─ E o que tem impedido suncê de fazer defumador no seu casuá?


César encabulou-se e baixou a cabeça. A entidade continuou:


─ São as tarefas, as atividades, as dificuldades e os problemas do dia-a-dia não é meu fio?


─ É isso mesmo vovô, minha vida é muito atribulada e ai eu acabo me acomodando com a situação.


─ Pois é meu fio, realmente nêgo sabe que a vida de suncês no corpo de carne é realmente bastante difícil, mas, ainda assim, devo pedir que você retorne a defumar sua casa. Suncê verá como as coisas ficarão diferentes.


─ Pode deixar vovô, farei tudo como o senhor pede, mas e aquela magia forte, o senhor pode me ensinar?


─ A magia forte que nêgo falou antes zifio?


─ Isto vovô!


─ Então zifio, este preto-velho acabou de passar pra suncê.


─ A defumação?


─ É zifio! Por que a cara de espanto?


─ Ora vovô a defumação não funciona para afastar permanentemente espíritos perturbados, não é verdade?


─ Fio tá sabido hein!


─ Até onde sei, na realidade, a defumação serve mais para limpeza energética dos lugares, não é verdade?


─ Fio recordando o que conversamos ainda agorinha: onde que é mais provável de uma ratazana morar? Numa casa limpa ou numa casa suja?


─ Na casa suja vovô, mas mesmo que a casa estivesse limpa o rato poderia entrar.


─ Mas não é mais fácil expulsar o rato de uma casa se ela estiver limpa?


─ Puxa vovô ou o senhor não está entendendo ou não está querendo entender!


─ Desculpa a ignorância deste nêgo meu fio, mas explica mais um pouquinho para que suncê perceba que talvez seja suncê que num tá entendendo este véio.


─ Não vovô eu entendi tudo que o senhor falou: o senhor determinou que eu voltasse a defumar minha residência a fim de que "ratos" não a invadam e assim eu o farei, mas só que enquanto eu não defumava a casa ratos aproximaram-se de minha esposa, minha filha e minha mãe causando doenças e eu gostaria de saber o que fazer para espantar estes ratos.


─ Fio a cada vez que suncê vem em terreiro tais ratos são afastados de suncê e todo seu familiador sempre, é claro, de acordo com o merecimento de cada um! Acontece que ao longo dos dias que sucedem as giras no terreiro suncês tudo se emporcalham tanto a si mesmos quanto o casuá em que vivem que daí acabam atraindo novos ratos para perto de suncês.


A entidade amiga deu algumas baforadas em seu cachimbo e continuou:


─ Suncê com problemas no local de trabalho e sua companheira com os vizinhos, absorvendo estas energias e espalhando-as em cada canto de cada cômodo do seu lar: e tome reclamação contra a vida, contra o chefe, contra os colegas de trabalho, contra as contas a pagar!


Pai Josias continuou:


─ Aí surgem as desavenças com a esposa e suncês acabam, quase sempre, por discutir na frente da criança pela roupa amarrotada, pelo café amargo, pelo baixo salário, por que o vizinho não respondeu ao seu "Bom dia"!


─ Compreenda zifio que por conta da falta de defumação e de outras medidas energeticamente profiláticas e umbandistas como o hábito de cruzar semanalmente a casa, pode-se dizer que onde suncês moram não está devidamente asseado, mas só que suncês acabam por piorar ainda mais a situação com todo este lixo mental, emocional, psicológico e energético.


─ Defume seu casuá, mude seu padrão vibratório e consciencial que suncê, nas forças de Deus-Nosso-Pai, verá mudanças prodigiosas em sua vida. Pode deixar que dos ratos nós, segundo o merecimento de cada um, cuidamos. Preocupem-se apenas em manter as vossas duas casas higienizadas: seu casuá, onde mora suncê e os seus familiares e seu vaso corporal, onde reside vosso espírito.


─ Sei que você crê na onipotência de Deus, só não descreia jamais que grande parte do poder Dele está nas coisas simples: Gandhi venceu a intolerância por meio de simples jejuns, Moisés venceu faraó com um simples cajado e Jesus venceu o mundo com a Lei de Amor. Viver na carne não é simples, amar também não, mas creia na simplicidade das coisas de Deus, da Umbanda e dos fundamentos a ela pertinentes que suncê verá os instrumentos de que se servem as trevas para semearem discórdias, desgraças e maldades serem desativados diante de si.


─ Creia meu fio e chame as bênçãos de Deus pra junto de suncê, acredite na simplicidade das coisas de Deus e o mal, assim, da sua vida se desarmará.


─ Uma flor pode desarmar o mais bélico dos exércitos, o perdão pode desarmar o ódio mais feroz, pensamentos vibrados em paz e amor podem desarmar a mais potente magia negra, da mesma forma que uma "mera" defumação desarma a casa, a família e a vida de suncês de toda a sujeira astral com que vocês a municiam por conta das reclamações e impropérios resultantes das vicissitudes de vossas existências corpóreas; vicissitudes estas que, na realidade, são instrumentos que podem guiá-los a angelitude se corretamente manejados, mas que suncês ainda, infelizmente, não conseguem percebê-los enquanto tal.


E a entidade, que tinha diante de si um consulente aos prantos, aguardou que César serenasse as emoções. Instantes após pediu um abraço apertado e, posteriormente, disse-lhe olhando fixamente nos olhos:


─ Nêgo acredita em Deus meu filho, mas não descrê de suncê! Creia mais na simplicidade das coisas de Deus e vá na força e na luz de Zambi-Nosso-Pai!

2 comentários:

Sergio Paolillo disse...

Linda mensagem, uma lição de sabedoria que os queridos Pretos Velhos sempre nos passam. Muito obrigado!

Anônimo disse...

Boa tarde! Essa história caiu como uma luva em minha vida. É como uma resposta para o momento que estou passando, mostrando que a Providência Divina, segue agindo em todos as circunstânicas de nossas vidas, até mesmo em uma pesquisa na internet. Amo com todo o meu ser essa linda Umbanda, e é incrível essa capacidade que os amados pretos velhos tem, de nos mostrar o que está diante de nossos olhos e não conseguimos enxergar.

Parabéns pelo blog, que Deus te ilumine sempre!
Att., Camila.